Em 1991, Neil Howe e William Strauss cunharam o termo ‘teoria geracional’, esta afirma que a cada 20 ou 25 anos nasce uma nova geração, possuindo diferentes traços de caráter, hábitos e identidade, que as diferenciam entre si. Existe muita sociologia em cima do tópico, distinguindo a geração Y, os “mileniais”, nascidos de 1980 até 2000, da mais recente geração, a Z, por exemplo. Eu nasci em 2003 e, portanto, me enquadro na geração Z. Esta, que consiste inteiramente de adolescentes e crianças, ainda não atingiu a maturidade acadêmica necessária para se autodiagnosticar, e isso é exatamente o que eu pretendo fazer.
Que fique claro: eu não tenho experiência formal em sociologia, tenho como objetivo usar a minha vivência para entender como a identidade cultural da geração Z se formou e, na realidade, ainda se forma.
É inegável que a internet teve um papel fundamental nesse processo, porém isso não é exclusivo da atual geração, os mileniais, de fato, foram os primeiros a nascerem num mundo ligado pela internet. No entanto, a rede de 1990 quase não têm similaridades com a de 2010. Enquanto a internet nos anos noventa começava a integrar a consciência popular e o computador pessoal se tornava cada vez mais acessível; no final dos anos 2000 ela já tinha se estabelecido como ferramenta indispensável. Com o advento dos anos ‘10’ veio a inevitável explosão de redes sociais como o Facebook e o MySpace. O início dessa nova internet, de fácil uso e indispensável, coincidiu com a infância da geração Z. Sem dúvida alguma esses sites nos moldaram, todavia o que mais me atrai (e o mais formativo) é o Youtube.
O Youtube passou por inúmeras mudanças, sendo elas tanto estruturais como relacionadas ao conteúdo do site. A época que me interessa é 2010, quando o site tinha 5 anos e eu 7. Nesse Youtube nasce os infames ‘vlogers’, termo extremamente datado, mas que define perfeitamente essa era. Em 2010 a plataforma já tinha atingido sucesso, mas nunca antes havia criado verdadeiras celebridades. É importante ressaltar que toda geração é formada, em parte, pela mídia que consome; os “baby boomers” dos anos 40 foram marcados pela popularização da televisão, por exemplo. Mesmo com essas similaridades o que aconteceu com o Youtube foi sem precedentes. As pessoas por trás desses vídeos não eram atores, muitas vezes nem eram carismáticas. Postar vídeos no Youtube em 2010 era uma atividade sem remuneração e, mais importante, sem prestígio social, ou seja, as pessoas e o conteúdo popularizados pelo site nunca haviam atingido notoriedade.
Um perfeito exemplo é o “let’s play”, gênero no qual uma pessoal (raramente, um grupo) se filma jogando um videogame. O conceito é praticamente extraterrestre pras outras gerações, taxado (com alguma razão) de estúpido. Preciso admitir que defender o let’s play de forma madura e lógica é um pouco surreal mas também é um sonho do eu de 11 anos. Quando analisado de forma acadêmica o gênero faz perfeito sentido: é extremamente fácil de assistir, não requer muito na parte da audiência, sendo perfeito para crianças; tem o atrativo audiovisual do ‘jogo irado’ assim como a personalidade do youtuber. Visto por essa lente o let’s play vende omesmo produto que uma novela, por exemplo, o elemento audiovisual; acessibilidade e personalidade são comuns aos dois.
Outra faceta comum a todos os gêneros nascidos do youtube é o caráter revolucionário, mesmo que na imensa maioria das vezes não há intenção. Nesse contexto, é interessante o paralelo com a geração Y que, caracterizada inicialmente pelo hiper consumerismo dos anos 90, eventualmente criou normas e entretenimento fora do padrão, como a cultura grunge. A geração Z também sofreu por esse mesmo processo, no entanto, a cultura alternativa não foi produzida por eles, mas sim se desenvolvia de forma independente. Essa natureza do site atraiu um público massivo de jovens que se sentiam representados. Os youtubers validam suas personalidades assim como dão a esses jovens uma comunidade. E aí se encontra a real influência do Youtube.
A palavra é ‘contraste’. O processo inteiro de formação de identidade da geração Z pode ser resumido nessa palavra, especialmente em relação ao Youtube. A plataforma direcionada para o anonimato deu luz a celebridades; o individualismo intrínseco a escolher um subgrupo na internet e o senso de comunidade subsequente; a busca por mídia fora da norma eventualmente se tornando o padrão; a plataforma anunciada como um espaço independente se tornando um monopólio cruel propriedade de uma multinacional. Na realidade esse processo nos reflete: a minha geração vive num mundo extremamente individualista, mas presamos comunidades, nós queremos mudança, mas não temos poder, nós buscamos identidade e singularidade numa sociedade padronizada.
O maior paradoxo é a nossa nostalgia. O período mais nostálgico de nossas vidas foi marcado por conteúdo inquestionavelmente dispensável, a nossa infância composta por mídia sem pretensões, feita para ser consumida num dia e esquecida no próximo. Mesmo no Youtube onde tudo é dispensável, esses vídeos nos atraíram porque refletem alguma realidade, ressoam com nossas sensibilidades, nos confortam, nos validam.
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