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Solidariedade Latinoamericana e a Pandemia

Um dos aspectos que mais me intrigam sobre o estudo da América Latina é a percepção de que nossos problemas são, muitas vezes, compartilhados. Digo isso porque pensava que a origem da nossa denominação comum não passava de uma relação com a língua latina, mas, percebo cada vez mais que estava enganada. No dia 04 de junho, em uma de nossas reuniões do Garotas Pelo Mundo, tivemos a oportunidade de ouvir três ativistas colombianos: Isabela Enciso, César Salazar e Gabriela García. Antes de falarem sobre a atual — e pouco divulgada — crise da Colômbia, cada um relatou uma experiência que os conectava a boas lembranças sobre seu país.

Nessa reunião, aprendi com César que, na Colômbia, e em outros países latinoamericanos, as palavras “convite”, “minga”, “feria” e “ayni” referem-se a uma mesma situação: quando vários membros de uma comunidade se unem em prol de um benefício coletivo; construir escolas, ajudar vizinhos em casos de emergência, e por aí vai. César dizia que isso o fazia pensar no verdadeiro espírito de seu povo, porque, embora o governo não atingisse determinadas comunidades, elas, através da união e colaboração, eram capazes de mitigar as adversidades.

Apesar de não existir uma palavra exata que possa traduzir o “convite” colombiano ao nosso português, penso que muitas ações do povo brasileiro traduzem por si só a força que emana do que esses termos significam. Um exemplo disso é o que será tema deste texto: as Presidentas de Rua de Paraisópolis.

Para fins de contexto, Paraisópolis é a segunda maior comunidade da cidade de São Paulo, e uma das maiores do país. Está localizada na Vila Andrade, um distrito notadamente marcado pela desigualdade socioeconômica, onde moradias irregulares estão há poucos metros de condomínios luxuosos, como se vê nos livros de Geografia. Paraisópolis conta com mais de 70 mil habitantes, que sofrem com o abandono do poder público e carecem de bons atendimentos em saúde e educação.


Vila Andrade: A comunidade de Paraisópolis faz fronteira com o bairro Morumbi em São Paulo. https://www.fecesc.org.br/o-novo-mapa-da-desigualdade-brasileira/


Ainda assim, a solidariedade e organização comunitária contribuíram para que o local tivesse um bom controle da pandemia do novo coronavírus. Logo que foi decretada a quarentena no Brasil, em março de 2020, a Associação de Moradores de Paraisópolis não deixou de trabalhar: “[...] Percebemos que se a comunidade não pudesse contar conosco, não teriam com quem contar.”, disse a líder comunitária Rejane dos Santos. Então, uma das principais iniciativas da Associação foi eleger 655 representantes, os chamados Presidentes de Rua. Cada um seria responsável por, no mínimo, 50 famílias, e teria a função de conscientizá-las sobre as medidas de prevenção à covid-19, provê-las com cestas básicas e kits de limpeza, além de combater a disseminação de informações falsas na comunidade. Dados do Instituto Pólis demonstram que a taxa de mortalidade da doença foi de 21,7 para cada 100 mil habitantes de Paraisópolis, em maio de 2020 — uma taxa menor do que a da Vila Andrade (30,6) e do próprio município de São Paulo (56,2). Isso mostra que o esforço coletivo da comunidade foi de suma importância no combate à pandemia.

Especificamente, ressalta-se o esforço das mulheres de Paraisópolis: elas representaram 90% dos 655 representantes mencionados, o que nos faz pensar que a iniciativa talvez pudesse ser conhecida como Presidentas de Rua, em vez do coletivo masculino. Laryssa, uma das presidentas eleitas, ressaltou: "Nós fazemos o papel do governo. A covid-19 já está chegando muito perto da gente, com pessoas na comunidade infectadas, mortes ocorrendo. Mas, melhor que medo, é o sentimento de ajudar os outros."

Então, escrevo este texto não para romantizar o descaso do poder público para com Paraisópolis e as demais comunidades brasileiras. Acredito que, em uma sociedade ideal, o “convite” colombiano mencionado por César Salazar, não deveria existir, mas sim, o acesso aos direitos básicos por parte de toda a população. Ainda assim, escrevo este texto como convite: que não esqueçamos das Presidentas de Paraisópolis, e tampouco de tantas outras mulheres que ajudam a construir a história de nosso país. Que o espírito de Laryssa e outras presidentas nos sirva de combustível para agenciar nossas próprias lutas em prol de nossas comunidades.


Referências:


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